EUA acusam oficialmente a China de manipular sua moeda (yuan)

Departamento do Tesouro pede para que FMI elimine essa suposta prática anticompetitiva.
A disputa comercial entre os Estados Unidos e a China se transformou em 2019, oficialmente, em uma guerra de divisas. Washington incluiu formalmente Pequim na lista de países manipuladores de sua moeda para, supostamente, tentar obter uma vantagem competitiva. O presidente da maior potência mundial, Donald Trump, já havia sugerido essa possibilidade em suas falas públicas, ao acusar diretamente Pequim de estar desvalorizando artificialmente o yuan (moeda local). As autoridades chinesas responderam, pouco depois, anunciando “contramedidas”, porem não detalhadas.
A Casa Branca efetivou suas ameaças, menos de uma semana depois de decidir dar mais um passo na escalada ao anunciar que os impostos abarcariam todos os bens importados do gigante asiático. É a primeira vez em um quarto de século — exatamente desde 1994 — em que os EUA declaram a China como país manipulador de divisas. O Departamento do Tesouro havia evitado essa ação até agora, ainda que essa opção fosse uma possibilidade desde a queda do valor do yuan durante a última crise financeira. O valor da moeda chinesa volta a estar nos níveis de 2008, um fato que favorece notavelmente a capacidade exportadora de Pequim: seus produtos ganham competitividade imediatamente e sem necessidade de baratear a produção.
O secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, disse em um comunicado que irá solicitar agora ao Fundo Monetário Internacional (FMI) que “aja para eliminar a vantagem competitiva injusta criada pelas últimas ações da China”. A manobra de Washington contra Pequim pode assim detonar uma crise ainda maior entre os dois países, ter severas ramificações na economia global e atingir com força as moedas latino-americanas, muito ligadas à evolução do dólar.
Horas antes da divulgação do movimento da Administração norte-americana, o temor de que a batalha de impostos detonasse uma guerra de divisas já provocou o pior dia do ano em Wall Street. Os dois principais índices da Bolsa de Nova York, o Dow Jones e o S&P 500, fecharam com importantes quedas próximas a 3%, já na zona dos mínimos de dois meses. O Nasdaq, que reflete a evolução dos valores tecnológicos — muitos deles com um pé nos EUA e outro na China — caiu 3,5%. Os números vermelhos se intensificaram após se saber que, como resposta aos novos impostos anunciados na semana passada, as empresas chinesas deixariam de adquirir produtos agrícolas norte-americanos ao considerar que foram violados os termos do pacto feito ente Trump e Xi Jinping no último G20.
Utilizar as divisas como arma só prolonga o confronto. Também há a circunstância de que dessa vez não há um encontro programado entre os dois líderes que possa contribuir para diminuir a tensão como aconteceu em maio, a última vez que a Bolsa nova-iorquina se viu presa em uma espiral negativa parecida. Preocupa, portanto, que a situação não possa ser reconduzida. A desvalorização das moedas é uma ferramenta utilizada pelos países para compensar o efeito do aumento dos impostos. Trump também mencionou o Banco Central Europeu.
Um yuan mais fraco faz com que os produtos norte-americanos sejam mais caros no mercado chinês. Isso afetou principalmente multinacionais como a Apple, que perdeu mais de 5%, e empresas industriais porque ficam menos competitivas contra rivais locais. A guerra comercial é, de qualquer forma, um catalisador. O litígio ocorre em um momento em que o crescimento global desacelera.
O Tesouro é o guardião do dólar nos EUA, não o banco central — o Federal Reserve. A Administração Trump, entretanto, pode recorrer a várias ferramentas para intervir se for preciso no mercado de divisas e nesse caso a Fed poderia ajudá-la a vender dólares e comprar divisas. É, em todo caso, um passo extremo e os EUA podem se encontrar na situação de agir sozinhos.
“A China deixou cair o preço de sua divisa quase a um mínimo histórico. Isso se chama ‘manipulação de divisas’. Está ouvindo, Federal Rerve?”, afirmou na manhã de segunda-feira o presidente Donald Trump em sua conta do Twitter. E como é habitual desde a campanha eleitoral, acusou a China de roubar os EUA, suas empresas e seus funcionários. “Nunca mais”, sentenciou antes de o Tesouro dar o passo definitivo, temido pelos investidores por seu potencial detonador de uma guerra global de divisas.
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Empresários em SP doam quase R$ 100 milhões para combater o coronavírus

O setor privado colocou a mão no bolso e se uniu ao governo de SP no combate ao coronavírus. Juntos, 28 empresários doaram cerca de R$ 96 milhões.
O anúncio foi feito pelo governador do Estado, João Doria, nesta segunda-feira, 23.
A doação em dinheiro, equipamentos e suplementos para os sistemas hospitalar, de saúde e de segurança pública, ocorreu após uma reunião virtual de um comitê empresarial que reuniu 132 empresários.
De acordo com Dória, serão doados:
- 345 respiradores e monitores para implantação no Hospital das Clínicas;
- R$ 4 milhões para a compra de equipamentos hospitalares;
- cem mil máscaras cirúrgicas no valor de R$ 300 mil;
- R$ 25 milhões para apoio com logística e serviços;
- R$ 1 milhão para montagem de hospital de campanha em parceria com o Hospital das Clínicas da Unicamp, em Campinas, com capacidade para 100 leitos.
Além disso, estão previstas a viabilização de dois centros de acolhimento em escolas estaduais de Paraisópolis, na zona sul da capital paulista, com mais de mil leitos, para atender pessoas com sintomas da covid-19 e R$ 1 milhão para apoio a pequenos e microempreendedores.
Alimentos
O dinheiro também vai a ajudar a alimentar pessoas necessitadas.
O governo de São Paulo anunciou que vai repassar:
- R$ 7 milhões em alimentos e R$ 1 milhão em refeições prontas;
- R$ 5 milhões em cestas básicas e itens de primeira necessidade para comunidades carentes;
- um milhão de litros de álcool 70%;
- 150 mil litros de álcool que serão transformados em álcool em gel;
- R$ 5 milhões em álcool em gel;
- R$ 1 milhão em produtos de limpeza e higiene pessoal;
- Além disso, o Bom Prato passará a distribuir as refeições prontas em embalagens descartáveis para consumo em domicílio.
Outras medidas
Serão captados e distribuídos 275 mil kits de limpeza para residências, higiene pessoal, cestas básicas, água potável e gás para locais de grande adensamento populacional, como favelas.
Serão captados 10 mil kits de camas e insumos para preparação de alojamentos provisórios para isolamento de pessoas com sintomas de covid-19.
Serão distribuídos kits de EPI para as equipes que fazem acolhimento a idosos em instituições de longa permanência – tanto estaduais quanto municipais.
Como doar
Qualquer pessoa pode contribuir com o Fundo Social de São Paulo (FUSSP), que concentrará as doações em dinheiro.
Hospital de Campanha
Nesta segunda, 23, São Paulo se adiantou à pandemia do coronavírus e começou a transformar o Estádio do Pacaembú em hospital de campanha para atender às vítimas do coronavírus.
Assista:
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Ex-ministro que chefiou combate ao H1N1 acha exageradas medidas contra Coronavírus

Osmar Terra não vê necessidade de fechar escolas e comércio e vai alem, prevê declínio da pandemia a partir de abril.
O médico, deputado federal pelo MDB-RS e ex-ministro Osmar Terra (MDB-RS), responsável pela coordenação do combate no Brasil à epidemia de gripe H1N1, que somente em 2019 matou 780 brasileiros, considera exageradas as medidas adotadas por governadores e pelo Ministério da Saúde contra a pandemia do coronavírus.
O ex-ministro vai mais além quando diverge da previsão do ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde), segundo o qual a pandemia somente começará a regredir em setembro. Para Osmar Terra, a regressão se iniciará já no próximo mês de abril.
O ex-ministro dos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro compara o cenário atual com a epidemia de H1N1 em 2009. “No ano passado, morreram 780 pessoas no Brasil de H1N1, dez anos depois que enfrentamos a epidemia. O número não virou notícia”, observou, e “provavelmente não vai morrer tanta gente de coronavírus”.
Ele enfrentou, como secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, em 2009, a epidemia de gripe Influenza A, e questiona as medidas que estão sendo aplicada atualmente. “Eu estudei bastante isso, até porque tive que enfrentar o H1N1, e para fazer o debate do coronavírus, eu não estou falando de algo da minha cabeça.”
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Vírus começa a regredir em abril
“Estou ouvindo os principais infectologistas do estado, que foram do meu comitê no enfrentamento ao H1N1, e para mim a pessoa que mais entende de epidemiologia no Brasil, e talvez no mundo hoje que é o César Victor. Eu gostaria de saber por que vocês acham que o comportamento é tão diferente assim e tão preocupante assim?”, indaga.
Terra destaca na mensagem que estamos vendo um vírus novo, que tem transmissibilidade 30% maior que o H1N1, “então ele se espalha mais rápido, já se espalhou. Você sabe que a epidemia termina quando atinge mais da metade da população com anticorpos, com contato com o vírus, com imunidade. Isso está acontecendo, em poucas semanas esse processo se cumpre”.
Ao contrário do ministro Mandetta, ele aposta que a epidemia vai começar a regredir já em abril:
– “Ela tem um padrão matemático, todas têm. Esse SARS que está causando o Covid-19 é um vírus muito semelhante a primeira SARS que tinha 10% de letalidade. Então ele é muito mais brando, na China e na Itália que são os que têm maior letalidade, ele está com 3.4, mas no resto do mundo ele está 1.5 no mundo todo. Ele vai se espalhar, vai contaminar e vai terminar”.
H1N1 infectou muito mais
O ex-ministro cita que o Brasil está estimando que o número de infecções pelo coronavírus pode chegar a 30 ou 40 mil casos, e um número de mortos entre mil e dois mil casos. “Isso é muito menos que o H1N1. Então acho que o médico, não quero ditar comportamento para ninguém, mas o médico tem que ser o primeiro a acalmar o pessoal, porque não se controla epidemia e não se orienta a população disseminando o pânico”.
Para ele o isolamento social não resolve nada. “Qual a vantagem do isolamento? A epidemia só vai terminar quando ela tiver mais da metade da população contaminada, em 99% dessa metade da população que vai ficar contaminada, não vai ter sintoma nenhum, vai ser assintomática. Isso é um processo que está andando, quando apareceram os primeiros casos que foram revelados com exame laboratorial, o vírus já estava andando. O vírus começou na China em novembro. Por isso que quando eles começam a fazer os exames em janeiro, dá uma explosão de casos”.
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Pico ocorre em seis semanas
Terra também critica o isolamento que está sendo imposto no país. “Estou me baseando em evidências, se tu tiver alguma outra evidência diferente que não seja só a ideia que se isolar melhora, porque o isolamento não vai diminuir aquela curva, aquilo tudo é conversa. Todas as epidemias virais têm um padrão, elas duram em torno de treze semanas, e na sexta semana elas estão no pico e depois regride, desaparece”.
“O isolamento não vai resolver o problema porque já está disseminado o vírus, essa que é a questão. Se o vírus não estivesse circulando, talvez, isolar iria atrasar o aparecimento, mas ele viria porque ele está circulando no mundo. Mas agora que ele está circulando, o teu filho pode estar com o vírus e ser assintomático. O vírus está correndo solto, ninguém segura mais. E ele vai evoluir, vai regredir e pronto e acabou”, afirma Terra.
Osmar Terra defende que essas medidas restritivas pouco adiantam. “Quando eles falam em achatar a curva, eles não falam em diminuir o número de pessoas contaminadas, mas só a velocidade, mas isso é muito difícil acontecer. Isso poderia acontecer, se as pessoas ficassem três meses em isolamento absoluto, mas isso não tem como fazer. Imagina tu botar as crianças, as famílias dentro de casa sem sair, qualquer contato com o mundo exterior pode ter o vírus, um papel, uma sacola que venha do supermercado”.
No H1N1, “não fechamos lojas”
O ex-secretário da Saúde do RS afirma que quando o vírus está circulando, a postura correta a se tomar é administrar os casos de doença, ter leitos, como nós fizemos no período do H1N1. “Nós não fechamos uma loja sequer na epidemia do H1N1, vai demorar meses, anos, muitos anos para recuperar a economia depois disso, tu vai ver. E todas essas atitudes pirotécnicas, não vai diminuir um morto. Mas se achatar a curva, a rede vai ter melhor condições, não vai. A rede vai ter que improvisar de acordo com a demanda, como fizemos no H1N1. Eu aumentei 30% dos leitos de UTIs em três semanas e as pessoas vão ficar quanto tempo em isolamento para achatar a curva? Dois meses, três meses, cinco meses? Isso não existe”.
Para o parlamentar, é preciso atentar para a possibilidade do coronavírus estar sendo instrumentalizado politicamente. “Os governadores querendo mostrar serviço. Não tem nenhuma evidência cientifica que fechar escola resolve, não resolve. Muito pelo contrário, agora as crianças que forem cuidadas pelos avós, vão contaminar os avós, agora vai morrer mais gente, por terem fechado as escolas. Os meninos vão se reunir em algum lugar, vão ter contato com os outros, então não vai alterar, essa curva não se altera.”
“Fechar shopping(?), as pessoas vão ter que ir ao supermercado. (E o) o risco que elas têm de se contaminar ali? Vai estar uma multidão no supermercado”.
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Influenza mata mais
Em relação ao cenário mundial do Covid-19, ele ressalta que a região da Itália, com elevado número de casos, possui um grande comércio com a China, “muitos chineses vão para lá, e muitos italianos vão para China e voltam, então foi uma região que primeiro teve casos”. E faz uma comparação com a realidade nacional, “como aqui no Brasil, as regiões que têm mais turismo, tem mais negócios com a China e com a Itália foram as que primeiro cresceu o número de pessoas infectadas. Mas o número aí é a ponta do iceberg, para cada pessoa que aparece com o resultado positivo, tem quase uma centena que não vai aparecer, não vai apresentar quadro, não vai ter sintoma”.
E fala sobre as medidas que estão sendo aplicada na França. “O isolamento que está ocorrendo na França, por exemplo, eu acho que tem um conteúdo político, aquele cara está para ser derrubado pelos Coletes Amarelos já tem algum tempo e ele agora colocou todo mundo de quarentena por trinta dias, tu imagina se isso vai resolver alguma coisa, acompanha a curva da França que tu vai ver. O vírus já está solto lá, já está contaminando as pessoas”.
O Deputado ainda cita que durante o inverno nos EUA já morreram 40 mil pessoas pelo Influenza. “Não vai morrer nem um terço disso do coronavírus”.
Terra acredita que é mais eficaz nesses momentos de crise, transmitir para a população a informação, como é que vai acontecer, quando é que sobe e os cuidados pessoais que são necessários.
Nesses tempos, ficamos sem saber em quem acreditar, o importante é que possamos vencer tudo isso.
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A demanda da China que 'ameaça' o jumento brasileiro

Como um acordo com a China provocou uma corrida ao abate de asininos e agora ameaça a espécie símbolo do Nordeste.
Na feira de animais de Cansanção, a 350 quilômetros de Salvador, três jumentos dóceis e aptos ao transporte de carga esperam na sombra por um novo dono. Ali vende-se de tudo quanto é animal que sirva ao sertanejo daquela terra seca, e o jegue já foi um dos mais populares. Mas, aproximando-se dos três espécimes, com chapéu de couro bem trabalhado, o agricultor José Araújo de Souza decreta: “Quem tem o seu que o segure, porque o jegue vai acabar!”
O jumento, jegue ou asno da espécie asinina chegou ao Brasil com os portugueses há cinco séculos e adaptou-se tão bem ao clima semiárido que se tornou símbolo do trabalho pesado no interior nordestino, “o maior desenvolvimentista do sertão”, como cantou Luiz Gonzaga. No entanto, começou a sumir da vista do sertanejo após um inusitado negócio com a China.
O país asiático tem interesse, principalmente, no couro do animal — matéria-prima para a produção do Ejiao, uma gelatina usada na medicina e em cosméticos chineses, que movimentou o equivalente a R$ 22 bilhões em 2018. Já a carne é um subproduto consumido no norte.
A China não consegue atender sozinha à demanda de criar até 10 milhões de jumentos por ano para o abate, por isso importa o animal de países da África e América do Sul. Nos últimos dois anos, o Brasil entrou com força nesse mercado.
Essa matéria nos revela, entretanto, um faroeste na cadeia de atravessadores de asininos do Nordeste ao mercado chinês.
Um negócio fácil
Que o fiel companheiro do sertanejo poderia despertar o interesse de grandes investidores estrangeiros foi uma surpresa até para autoridades brasileiras. Nem a então Ministra da Agricultura, Kátia Abreu, acreditou no pedido feito durante sua viagem à Ásia em 2015.
“Pareceu piada”, escreveu no Twitter sobre um empresário chinês interessado em importar asininos (o Asno é uma subespécie doméstica do Asno-selvagem-africano. É um mamífero perissodáctilo da família Equidae, cujo nome popular é jumento, jegue, jerico, burro ou ainda asno-doméstico. De tamanho médio, focinho e orelhas compridas, é utilizado desde a Pré-história como animal de carga). “Inacreditável, mas sua demanda é de 1 milhão de jumentos [por] ano”.
O Brasil nem sequer tem um milhão de jumentos para vender. Em 2012, o IBGE contabilizou 902 mil animais no país, sendo 97% (877 mil) no Nordeste. Mesmo assim, em julho de 2017, a Bahia começou a exportar carne e couro à China, com meta de enviar 200 mil unidades por ano.
Em um ano e quatro meses após o acordo, mais de 100.000 jumentos foram mortos nos três frigoríficos da Bahia autorizados pelo governo federal — nos municípios de Amargosa, Itapetinga e Simões Filho. Outros abatedouros registrados para a atividade estão em Estados onde há poucos jegues para suprir o mercado. Se o ritmo de abate chegar à expectativa chinesa, a espécie pode desaparecer em menos de cinco anos no Nordeste.
Comércio ao estilo faroeste
A redução drástica de jumentos ocorre porque sua cadeia é extrativista — ele é pego na natureza e morto. Não há produção estruturada, normas de criação, fiscalização de transporte ou medidas contra condições precárias; tampouco há uma contagem recente de sua população. Nela, há em média seis atravessadores, incluindo sertanejos, comerciantes, transportadores, fazendeiros ou arrendatários, donos de abatedouros e de empresas de logística no Brasil e na China.
No início, está o sertanejo nordestino, que vende jumentos soltos ou de seu próprio quintal por valor entre R$ 20 e R$ 50. Em alguns casos, até doa o animal que apenas gera gastos à família.
Na segunda etapa, está o pequeno comerciante, também sertanejo, que junta um grupo de jumentos para revendê-los a transportadores ou fazendeiros. Por exemplo: João Ferreira, que há duas décadas compra e vende jegues em feiras de animais, mas que de tempos para cá diz que o comércio minguou: “Tem caído muito o movimento”, comentou na feira de Cansanção.
Ferreira contornou a queda do mercado vendendo os animais mais velhos e fracos a atravessadores chineses. Cada animal saiu por R$ 100 aos estrangeiros, enquanto na feira o jegue bom para trabalho custa R$ 300.
Na terceira etapa, transportadores levam animais até fazendas baianas habilitadas. Quando o abate se intensificou em 2017, uma centena de propriedades rurais se cadastrou como criadora de asinino na Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab).
Mas não há dados sobre a criação formal no Brasil. Essas fazendas são, na realidade, entrepostos para animais trazidos não só de municípios baianos como de todo o Nordeste. Soubemos de transportadores que vinham de Maranhão, Piauí, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte.
Para trafegar com animais, o motorista deve portar a Guia de Trânsito Animal (GTA), um documento obrigatório de controle dos serviços de defesa agropecuária. Na prática, no entanto, transportadores viajavam sem permissão. Para burlar a fiscalização, trafegavam à noite cortando propriedades rurais.
Uma das fazendas habilitadas é a de Herysnaldo Marinho, em Teofilândia. A propriedade consta como uma das 12 fornecedoras de jumentos ao frigorífico Cabra Forte, a 200 quilômetros dali, em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador.
Marinho contou ter sido recentemente procurado pelo caminhoneiro, mas, dessa vez, negou acordo. “Quando eu vi na televisão [as denúncias de maus-tratos], eu parei, vi que não era coisa de Deus”, afirmou. Em sua fazenda, garante, “era um dengo danado” com os jegues.
Com a GTA em mãos, caminhoneiros podem levar a carga a frigoríficos das cidades mais próximas — o quarto atravessador da cadeia. Nos estabelecimentos com registro para comercializar asininos, o transportador recebe, em média, R$ 240 por animal abatido.
Até setembro, nenhuma empresa brasileira estava habilitada a exportar asinino para a China — recentemente, o frigorífico Frinordeste, de Amargosa, recebeu a permissão. Por isso, o transporte marítimo era feito por companhias de logística do Vietnã e Hong Kong — o quinto grupo de atravessadores. A HL Vietnam International e a Fortune Freight (FFC International) compravam a carga de frigoríficos — por entre R$ 300 e R$ 400 cada animal — e a despachava no porto de Salvador.
Não foram localizados compradores da sexta e última etapa da cadeia, mas o desembarque era igualmente problemático na Ásia. A carga chegava pelos portos de Haifom, no Vietnã, e de Hong Kong. “O jumento entrava por contrabando”, informou Rui Leal, da Adab.
Na China, uma peça de pele de jumento é comprada por até US$ 4 mil (R$ 16 mil). Já o produto final, uma caixa de Ejiao, custa US$ 186 (R$ 750).
O Ministério da Agricultura não forneceu dados oficiais desse mercado. Pelos cálculos aproximados, o comércio do jumento gerou, em pouco mais de um ano, uma receita bruta em torno de R$ 40 milhões aos frigoríficos da Bahia, últimos atravessadores brasileiros. Para se ter ideia, o Brasil exportou no último ano US$ 5,4 bilhões (R$ 21 bilhões) de bovinos, sendo US$ 1,26 bilhão (R$ 5,08 bilhões) apenas para a China.
“Os jumentos estão indo de brinde para os chineses”, alertou Sônia Martins Teodoro, representante da ONG SOS Animais de Itapetinga, que acompanha denúncias de maus-tratos. O acordo, segundo ela, foi um agrado dos governos brasileiro e baiano para atrair investimentos. A Bahia espera abrigar grandes obras de infraestrutura chinesas nos próximos anos, como parque industrial e a revitalização do porto de Aratu, construção de ponte ligando Salvador a Itaparica e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste.
Jegues ficam confinados
Foi o município de Itapetinga, no Sudoeste baiano, que protagonizou as cenas mais duras de maus-tratos em 2018. Numa fazenda ao lado do Frigorífico Regional Sudoeste, mais de 800 jumentos viviam caídos no solo, com fome e sede. Outros 200 foram encontrados mortos.
Urubus chamaram a atenção de moradores que denunciaram a fazenda. Em um vídeo feito por eles, um jumento filhote tenta sair do corpo da mãe, fraca demais para parir. Ambos morrem. Outro jumento, bastante fraco, agoniza por não conseguir se livrar de corpos que o sufocam.
Em novembro de 2018, após as denúncias, a Justiça da Bahia proibiu o abate. Mas a pressão empresarial derrubou a liminar em setembro deste ano. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 1º Região entendeu que a suspensão impôs “grave lesão à ordem e a economia da região” e provocou “perda de investimentos nacionais e internacionais”, sem exemplificar o prejuízo.
A fazenda em Itapetinga era arrendada pela empresa chinesa de intermediação Cuifeng Lin, homônimo de sua proprietária. Ela e o marido, Zenan Wen, foram indiciados.
“Era uma coisa terrível, nunca vista aqui”, lembrou o delegado de Itapetinga, Irineu Andrade, que os responsabilizou por crimes de maus-tratos e poluição do rio, causada pela decomposição dos animais. “Não tinha alimento suficiente, os animais iam no rio beber água e ficavam boiando, porque não conseguiam voltar [de tão fracos]”.
Dias depois do escândalo, uma segunda fazenda foi interditada no município. O dono João Batista, que recebia R$ 150 por caminhão carregado para pernoite dos animais, foi multado. “Faz pena demais, você sofre junto com eles”, afirmou Batista, que se arrependeu do acordo. “Os jegues já saíam de Pernambuco passando necessidade e ficavam dois, três dias com fome, chegavam aqui e ruíam todos os paus [das plantas]”.
Cinco meses depois, em Euclides da Cunha, a 700 km de Itapetinga, novas denúncias de maus-tratos surgiram envolvendo a Cuifeng Lin. Na fazenda Santa Isabel, outros 800 animais viviam em condições precárias semelhantes. Pelo menos outros 400 estavam mortos.
“Nunca chegou um caminhão aqui com GTA”, observou Márcia Costa Miranda, responsável pela propriedade. “Eu achava errado, porque tinha jumento morrendo demais, mas eu não sou do órgão fiscalizador, ia fazer o quê?”
A agricultora lembra que o grupo dava pouca ração aos animais propositadamente. “Eles diziam que os desnutridos eram bons porque a pele descolava melhor”, conta Miranda.
Três chineses e um brasileiro da Cuifeng Lin coordenavam a chegada de caminhões carregados no período que o abate estava suspenso judicialmente, e os jumentos se acumulavam confinados numa área apertada e sem pasto.
Justificativa econômica
Por conta da decisão judicial, Amargosa, município de 40 mil habitantes, perdeu 150 empregos diretos e 200 indiretos com o fechamento do Frinordeste. Por isso, empresários locais e a prefeitura apelaram contra a ação, e boa parte da população aplaudiu.
“A gente sente que as pessoas comemoraram a volta do abate”, afirmou o diretor da rádio amargosense Vale FM, Eduardo Gordiano. “Aqui não chegou denúncia de jumento maltratado, e o povo não se sensibilizou com o que aconteceu em outras cidades”.
Dois brasileiros e dois chineses compõem a sociedade da Frinordeste declarada à Receita Federal. Mas segundo o empresário Walter Andrade Filho, o Walter do Couro, chineses hoje detém a empresa. Ele é um dos quatro fornecedores de jegue habilitados ao abatedouro, mas a atividade não compensava com a exportação via atravessadoras asiáticas.
Com a permissão da Frinordeste para vender a produção diretamente à China, a expectativa é de reaquecimento do mercado. “Já está tudo certo para [o abatedouro] voltar a funcionar”, disse Andrade Filho. “O povo está doido pra abater os jegues”.
Ele acredita que isso estimulará a produção regular: “Hoje, o jegue é pego na natureza, de graça ou a preço baixo, mas se a China continuar comprando, a gente vai produzir”.
O Frinordeste não concedeu entrevista. Já o dono do abatedouro Cabra Forte (em Simões Filho), Reginaldo Filho, afirmou que a falta de segurança jurídica do setor o levou a desistir da atividade. “É página virada na nossa trajetória”, garantiu.
Rui Leal, da Adab, defende que os frigoríficos só voltem a abater asininos se conseguirem habilitação para exportar diretamente à China. Além do lucro maior, seria possível rastrear quem compra o produto. “Em Amargosa, eles vão comprar e exportar, então a aquisição e o transporte terão mais controle”, explicou.
No dia 3 de dezembro, uma audiência pública sobre o abate de jumentos foi realizada na Câmara dos Deputados, em Brasília. Na ocasião, João Adrien, assessor de Assuntos Socioambientais do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), se mostrou contra a proibição do abate, por se tratar de uma alternativa econômica, e defendeu a estruturação da cadeia produtiva. “Estamos discutindo como fazer as regulamentações, exigir todo o guia de tráfico animal, para que eles possam ser bem tratados”, afirmou na audiência.
Risco à saúde humana
Enquanto isso, o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, composto de universidades e entidades de proteção aos animais, vem se mobilizando para combater os maus-tratos aos jumentos. O grupo atuou nos episódios de Itapetinga, onde a única solução foi abater os sobreviventes, e em Euclides da Cunha, assumindo a tutela dos animais.
O Fórum hoje cuida de 200 animais sobreviventes, com apoio da ONG britânica The Donkey Sanctuary e de doações individuais de brasileiros. Quase um ano após o episódio, alguns jegues ainda estão vulneráveis. “Têm os que continuam debilitados, que não conseguem se levantar sozinhos”, explicou a veterinária Aline Rocha, que os acompanha diariamente.
Rocha espera que, nos próximos meses, estejam aptos a serem doados a reservas ecológicas. “A gente sente que está fazendo diferença, que eles estão ficando sadios”, comemorou.
Observações em Euclides da Cunha subsidiam pesquisas sobre enfermidades com jumentos, uma área pouco estudada. Cerca de 5% dos animais morreram por doenças como mormo e anemia infecciosa, segundo as análises. “A situação de estresse intensifica as doenças, que vão sendo transmitidas entre eles como num campo de concentração”, comparou o veterinário Pierre Barnabé Escodro, professor Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
O mormo é a maior preocupação nesse negócio informal. Trata-se de uma zoonose de alta letalidade que pode ser transmitida ao ser humano.
Jumento produtivo
Na produção de sisal, no município baiano de Valente, o jegue prova que ainda tem utilidade ao Nordeste. Em sua cangalha, ele carrega folhas da planta típica do semiárido até a máquina de processamento, e dali até o varal onde os fios secam. Só ele para conseguir desviar de folhas que espetam por entre caminhos estreitos.
José de Jesus, de 59 anos, trabalha com seu jumento Zé Mané de segunda a quinta-feira — nos outros dias o animal folga. “É manso e bom de serviço”, elogia o agricultor, que convive com o colega de trabalho há duas décadas.
A manufatura do sisal, que emprega 3.000 famílias e cerca de 3.000 jegues, gerou R$ 40 milhões no ano passado. Segundo Misael Lopes, da associação local, Valente deve ao jegue o título de Capital do Sisal: “Isso é inegável”.
Outros usos sustentáveis para empregar o jumento seriam terapia com equino, turismo rural e até produção de leite. Professor de medicina veterinária da USP, Adroaldo José Zanella tenta implementar estratégias de bem-estar e segurança dos jegues nordestinos.
“Estamos tentando construir um Nordeste do século XXI que possa conviver com os jumentos, pois um animal que está aqui há 500 anos não pode acabar em cinco”, concluiu.
Um absurdo o que o poder e a ganância estão fazendo com esses animais, símbolos do nosso país, do nosso Nordeste.
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Louis Vuitton para sua produção de perfumes e fabrica álcool em gel para doações

A marca Louis Vuitton, das bolsas e roupas de luxo, anunciou que vai interromper a produção de perfumes para produzir álcool em gel. E mais: que doará a produção para hospitais da França.
O produto, que está em falta em várias regiões da França (e do Brasil também) é cada vez mais indispensável nos dias atuais, como ferramenta de higienização para evitar o contágio por coronavírus.
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A decisão da Louis Vuitton foi anunciada em um comunicado distribuído no último fim de semana.
“Dado o risco da falta de álcool em gel na França, Bernard Arnault (acionista majoritário) instruiu a divisão de perfumes e cosméticos da LVMH para preparar as fábricas para produzir quantidades substanciais de álcool em gel para serem entregues às autoridades públicas”, diz o texto.
“A Louis Vuitton usará toda sua instalação produtiva de perfumes e cosméticos (Parfums Christian Dior, Guerlain e Parfums Givenchy) na França para produzir grandes quantidades de álcool em gel a partir de segunda-feira.”
O aviso diz que o gel será entregue sem custo às autoridades de saúde da França como prioridade.
Com essa iniciativa, o grupo LVMH quer ajudar a minimizar o risco da falta de produto na França e ajudar o maior número de pessoas a continuar adotando as ações corretas para se proteger contra a propagação do vírus.
O grupo se comprometeu junto às autoridades de saúde da França a manter o compromisso pelo tempo que for necessário.
Que essa atitude possa inspirar grandes corporações a fazerem o mesmo, nem sempre o foco principal são os lucros, PARABÉNS..
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